terça-feira, 23 de setembro de 2008

Na fila sem Madonna


Capítulo 2

Meu mapa-destino impresso em casa mostrava que eu deveria descer na Estação Pedro II e pegar um ônibus no terminal que me levaria para o Terminal Santo Amaro. Eu apenas não sabia que a estação do metrô não era tão perto assim do terminal, por isso lá fui eu carregando um enorme peso nas costas em busca do terminal. Um segurança até me disse “você não é daqui né?”. Pensei “será que estou com cara de muambeiro do Paraguai?”, mas resolvi me ater ao caminho. Chegando no terminal, achei o ônibus e sentei no último banco.

Dali até o terminal foi uma incansável viagem de 1 hora e meia, um trânsito horroroso na Avenida 23 de maio, o ônibus completamente cheio, pré-adolescentes falando muito alto coisas inúteis e brincando de ler “errado” um livro escrito em inglês. Um banquete para a paciência. Eu estava temeroso com o tempo, que estava começando a ficar muito nublado, com ventos gelados e a noite se aproximando. Eu queria me juntar ao acampamento ainda à luz do dia, por isso rezei para todos os santos para que o trânsito fluísse melhor.

Quando cheguei no Terminal Santo Amaro por volta das 18 horas aconteceu a primeira cagada: fui levantar a minha mala e crec! Ela fez dois rombos gigantes. Além disso, começou a garoar nesse momento. Olhei para cima e logo pensei que estaria escrito em minha testa “sarcasmo divino”. Então perguntei para um segurança “O Credicard Hall é aqui perto, certo?”. Não fiquei muito feliz quando ele disse que eu deveria pegar outro ônibus. E lá fui eu de novo subir no ônibus, agora com a mala rasgada. Mas dessa vez foi mais suave, em 10 minutos eu estava no Credicard.

A noite já começava a se instaurar no céu. Entrei rápido no Credicard Hall, me direcionei ao segurança perguntei “Onde será a venda dos ingressos para o show da Madonna?”. Ele me olhou com uma cara estranha, mistura de surpresa e sarcasmo, e respondeu “É naquele outro estacionamento. Mas você sabe que as vendas só acontecerão na quarta-feira né?”. Eu, no cúmulo de minha nojentice, respondi “Lógico que sei! Obrigado!”. Pensei comigo “já tem um monte de gente na fila, porque ele vem perguntar isso para mim?”. Entendi depois.

Fui caminhando até o estacionamento lateral, onde fora montada uma tenda gigante para comportar os guichês de venda do show. O local tinha sido montado especialmente para as vendas da Madonna, talvez para não causar um quebra-quebra na estrutura oficial do Credicard Hall. Estranhei o silêncio, mas pensei que talvez as pessoas estivessem dentro de suas barracas. Entrei no estacionamento e…não tinha ninguém! Luzes apagadas, guichês vazios, um local que dava até eco de tão abandonado. Não entendi. “Cadê as pessoas do acampamento?”. Depositei minha bagagem no chão, andei de um lado para o outro procurando respostas que não vieram. “Não é possível!”

Voltei ao estacionamento principal. “Talvez as pessoas estejam acampadas na rua de trás da casa…”. Não estavam! “Talvez no portão da Marginal Pinheiros…”. Nada! O que estava acontecendo? Fui perguntar para o chefe da segurança do Credicard e ele me informou que ninguém havia chegado para a fila da Madonna. Além disso, ele deu a notícia: “São 19 horas e às 20 horas nós iremos fechar o Credicard Hall. Ninguém pode ficar aqui dentro viu, você terá que ir para fora da casa!”. Como assim? Não havia ninguém e eu ainda seria colocado para fora, à deriva dos perigos daquela região nada familiar? O segurança perguntou, olhando para minhas malas e meu desespero, se eu era de São Paulo. Fiquei com vergonha de falar “sou sim, um idiota que veio acampar sozinho na pqp e nesse frio!”, então respondi “sou do interior de São Paulo, por isso vim de malas”. Okey, foi uma mentirinha, mas na hora eu não estava pensando muito.

Sentei em minha mala, no meio do estacionamento. Peguei o celular e (obrigado tecnologia!) entrei na comunidade dos fãs da Madonna no Orkut. Mandei uma mensagem dizendo que eu estava lá e não tinha ninguém. Em pouco tempo meu nome começou a ser comentado. “Como assim não tem ninguém? Me falaram que tinha!”, “Paulinho, você é corajoso, foi sozinho para aí?”, “Paulinho, sai daí, é perigoso ficar sozinho!”. Eu não sabia o que fazer. Não poderia voltar para casa porque, afinal para meus pais já tinha se formado um enorme acampamento na fila, e o ambiente estaria tranquilíssimo. Se eles não estavam gostando da idéia de eu acampar na Marginal Pinheiros, o que eles pensariam se eu voltasse para casa dizendo que não tinha ninguém lá.

A solução foi recorrer ao melhor amigo. “Driko, não tem ninguém aqui!!!”. Ele fez o que até eu mesmo faria se não fosse comigo: deu uma enorme gargalhada. Depois de conversar muito com ele, perguntei se eu poderia dormir na casa dele naquela noite e disse que voltaríamos juntos à fila no dia seguinte. Ele topou. E lá fui eu para o ponto-de-ônibus novamente. Antes, lógico, cheguei para o segurança e disse “prazer em conhecê-lo, meu nome é Paulo, estou indo embora, mas amanhã eu volto!”

No ponto de ônibus o último sarcasmo divino. Peguei um ônibus que me levaria para o metrô Ana Rosa. Olhei para o número do ônibus, observei bem o itinerário e comecei a rir. Era o mesmo ônibus que eu pegava todo santo dia para ir trabalhar. Lógico que quando eu atravessei a cidade para chegar no Terminal Santo Amaro, pegar trânsito, rasgar a mala e ainda ficar com medo de ser assaltado, lógico que aí eu não sabia. Mas agora eu já tinha a certeza de como voltar no dia seguinte.



Ps: De tão atordoado com os acontecimentos, no lugar de “não tinha ninguém” eu disse “não tinha ingresso”. Vai entender!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Na fila sem Madonna

Capítulo 1

Sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O relógio marcava 10 e meia da manhã. Cheguei ao meu trabalho após quase duas horas de um trânsito caótico, mas já costumeiro de São Paulo. Atravessar a cidade da Mooca para a Vila Olímpia todos os dias é uma tarefa complicada, mas nesse dia as coisas se tornariam um pouco diferentes. Entro no MSN como sempre faço e assim que fico online já vem a mensagem: “Paulinho, Meu Deus, notícias novas a respeito do show da Madonna...”

Eu, fã convicto, que estava acompanhando tudo o que rolaria desde a confirmação do show até o início das vendas, li com toda a atenção possível o que meu amigo falou, amigo este de Campinas que conheci através da comunidade da Madonna no Orkut. Ele me contou as mudanças nas vendas do show, a liberação de todos os cartões de crédito para um show e tudo o que foi divulgado naquele dia.

Li atentamente aquilo e no final ele disse “...e pelo jeito já tem gente acampando no Credicard Hall desde quarta-feira”. Foi então que o desespero bateu! Eu estava me programando para ir para a fila do Credicard no sábado ou domingo, porque meu objetivo desde sempre era conseguir o tão sonhado ingresso para Pista VIP e ficar o mais próximo de Madonna possível. Não iria tentar comprar pelo site, pois eu sabia o caos que se instaura na Internet quando são vendidos ingressos para um show do porte deste (vide U2) e muito menos pelo call-center porque...bom, é call-center, todos sabem como “pode estar funcionando” o sistema de call-center no país. Era isso! Eu iria acampar e já havia pessoas na fila. Eu precisava me juntar a eles!

Contei para todos no trabalho o que estava acontecendo. Eles sabiam o quão fanático eu sou por Madonna e então, por volta das 14 horas, eu retornei correndo para casa para arrumar as malas e me aventurar no acampamento. Aprontei a barraca com lugar para 6 pessoas, emprestado pelo marido de minha prima, aprontei o colchonete desenterrado das profundezas de minha casa por minha mãe, aprontei roupas para passar 6 dias na rua, arrumei lanterna para suprir meu medo pelo escuro, arrumei salgadinhos, garrafa d’água, celular, bloco de anotações e tudo o que eu considerava essencial para o kit “sobrevivência na Marginal Pinheiros”.

Dei tchau para meu pai, ele me respondeu “você é louco”, dei tchau para minha mãe, ela respondeu “prefiro não comentar o que você está fazendo”, dei tchau para minha cachorra, ela não entendeu muito bem. Eu nunca havia visitado o Credicard Hall e as indicações que peguei pelo site da SP Trans pouco me deixavam confiante de que seria uma ida fácil. Mochila nas costas, barraca e mala nas mãos e fui para o metrô. Era sexta-feira, quase 16h, eu precisaria chegar ao Credicard Hall antes do anoitecer, pois sabia que a região era perigosa e eu não fazia a mínima idéia do que iria encontrar. Sem pensar nas conseqüências, entrei no primeiro vagão do metrô.

sábado, 13 de setembro de 2008

O calor do arco-íris fortalezense


- Tatá, vou correndo para a sala de imprensa assim que acabar essa coletiva tá?
- Ótimo Paulinho, enquanto isso vou entrevistar aquele diretor do filme!
- Até a hora do almoço já coloco a matéria no site e descarrego as fotos, tenho que correr…
- A gente vai ter que almoçar rapidinho para não perdermos a van para o festival.
- Tá, vou cooooorreeeeer, quantos filmes são hoje de tarde?-
Acho que 4 e de noite tem mais 7!
- Ai meu Deus, beeeeeeeeeeeijo que to atrasado, te vejo daqui a pouco.

Cine São Luiz: palco de filmes sensacionais

Pois é, eu e Tatá estamos de volta a São Paulo após seis dias extremamente corridos em Fortaleza. Fomos convidados pela organização do For Rainbow - Festival de cinema da diversidade sexual para cobrirmos a 2ª edição, que aconteceu na cidade entre 5 e 9 de setembro, e vou confessar: foi uma das experiências mais incríveis de toda a minha vida.

Assistimos filmes de uma qualidade impressionante, conhecemos pessoas do Brasil todo, profissionais do mundo cinematográfico, da crítica, do teatro, da televisão, entrevistamos pessoas de um talento incomparável (a sensação de estar cara-a-cara com Ney Matogrosso e com o queridíssimo ator Nildo Parente foi inexplicável), aprendemos muito sobre cinema.

Ney Matogrosso e Neido Parente, atores do filme "Depois de Tudo", de Rafael Saar

Foi uma grande oportunidade para entender de perto a cultura, o conhecimento e o modo de trabalho das pessoas responsáveis por fazer filmes. Mais do que o produto final que apenas estamos acostumados a ver, conseguimos entender os porquês de tudo o que vimos na telona, entender a cabeça desses formadores do cinema, pessoas talentosíssimas de todas as partes do país.

Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Curitiba: o Brasil em Fortaleza

Lógico que pudemos, nas pouquíssimas horas vagas que tivemos (o trabalho era hard!), nos deliciarmos com as comidas típicas do Ceará (ah que saudades sentirei do rodízio de camarões daquele lugar), das praias de natureza belíssima, do céu mais azul impossível e do calor e fervor que só uma cidade nordestina consegue ter.

Quero agradecer a todas as pessoas que fizeram esse festival se tornar um sucesso, aos organizadores, aos idealizadores, aos realizadores dos filmes, à imprensa que foi convidada e ao público que foi fiel em toda a programação. É a mostra de que a diversidade sexual está cada vez mais sendo discutida e seu espaço está crescendo em nossa sociedade.

Singularidades, documentário vencedor do festival

Toda a cobertura dos 5 dias de festival pode ser conferida em nosso site (acesse aqui o link) e na DOM de outubro teremos uma matéria especial sobre o que de melhor foi apresentado durante o II For Rainbow. Aguardem!

Eu tive a oportunidade de representar toda a imprensa convidadas para cobrir a programação do For Rainbow e fui o escolhido para entregar o troféu Arthur Guedes (o prêmio oficial do festival) para o filme escolhido pela crítica. Foi uma emoção muito grande prestigiar Ana Cláudia França com o troféu por seu trabalho no curta “Singuralidades”, que também venceu como filme de melhor documentário. Foi uma honra subir no palco e ter a DOM representando toda a imprensa.

Momento Besteirol: Ahhh, lógico, não posso esquecer de contar umas curiosidades engraçadas sobre a viagem (nessa hora Tatá me matará quando ler rs). Como todo o grupo do festival ficou bastante unido e se tornou uma verdadeira família, os realizadores dos filmes apresentados na Mostra Competitiva resolveram criar uma espécie de premiação paralela. Seria uma espécie de troféu For Rainbow, mas com categorias, digamos, bastante irreverentes. Entre elas estava o prêmio de melhor hetero, o mais bem vestido, o miss simpatia, o ativo, o passivo, o relativo e tantas outras divertidíssimas.

É com muita honra que conto a vocês que eu e Tatá fomos premiados nessa competição engraçada. Mais do que merecida, Tatá recebeu o troféu de diva do festival (táaaaaaaa meu bein, ela pode!) e eu recebi duas estatuetas, a de melhor jornalista (uhhul!!!!!) e o prêmio mais esperado da noite: fui consagrado com o troféu de melhor bicha do festival. Hahaha, juro, não estou de sacanagem! O júri me considerou o gay mais importante do For Rainbow (Paulinho empina o nariz, joga os cachinhos de lado e faz carão rs).

A bicha e a diva

ógico, todos levaram a brincadeira no melhor humor possível e a premiação terminou com uma enorme certeza de que muitas amizades tinham sido feitas naquela cidade e que perdurariam por todo Brasil. Foi um prazer conhecer todos que conheci e sei que volto de Fortaleza muito mais rico pessoalmente e profissionalmente. Que venha o III For Rainbow ano que vem! Vai dar saudades!