Histórias, memórias, pensamentos e questionamentos...
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
ha ha ha
"O riso é uma das ações mais sérias que existe" (por um conhecido apenas virtualmente em uma simples conversa de msn). Me fez pensar. É mais fácil rir ou chorar?
Discurso integral do Padre António Vieira, em Roma no ano de 1674, a convite da Rainha Cristina da Suécia
Se o mundo é mais digno de riso ou de pranto, e se à vista do mesmo mundo tem mais razão quem ri, como Demócrito, ou quem chora, como chorava Heraclito, eu pretendo defender a parte do pranto. Confesso que a primeira propriedade do riso é o risível; e digo que a maior impropriedade da razão é o riso. O riso é o final do racional; o pranto é o uso da razão. Quem conhece verdadeiramente o mundo, precisamente há-de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece. Que é este mundo senão um mapa universal de misérias, de trabalhos, de perigos, de desgraças, de mortes? E à vista deste teatro imenso, tão trágico, tão lamentável, que homem haverá (se acaso é homem) que não chore? Se não chora, mostra que não é racional, e se ri, mostra que também as feras são capazes de rir. Mas se Demócrito era um homem tão grande entre os homens, e um filósofo tão sábio, e se não via este mundo, mas tantos outros mundos por si inventados como poderia rir? Poderá dizer-se que ele não ria deste mundo, mas daqueles seus mundos. E com razão; porque a matéria de que eram compostos os seus mundos imaginados, toda era de riso. É certo porém, que ele ria neste mundo e que se ria deste mundo. Como pois se ria ou podia rir-se Demócrito do mesmo mundo e das mesmas coisas que via e chorava Heraclito? A mim, senhores, me parece que Demócrito não ria, mas que Demócrito e Heraclito ambos choravam, cada uma seu modo. Que Demócrito não risse, eu o provo. Demócrito ria sempre, logo, nunca ria. A sequência parece difícil, mas é evidente. O riso, como ensinam todos os filósofos, nasce da novidade e da admiração; e cessando a novidade e a admiração, cessa também o riso. Por isso, quando vemos uma figura ridícula, ou então ouvimos algum dito engraçado e faceiro, rimos de princípio, mas uma vez dada razão àquela primeira surpresa, uma vez que cesse a novidade, cessa ao mesmo tempo o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo e o que quando sai de casa rindo, sendo sem controvérsia, já que o que é comum e vulgar não pode causar nenhuma admiração nem novidade, depreende-se, como consequência, que, se ria sempre, nunca ria, e aquilo que parecia, de facto não era riso. Há chorar de lágrimas, chorar sem lágrimas e ainda chorar com riso. Chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suprema e excessiva. A dor moderada solta as lágrimas, a grande dor as enxuga e as seca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava Demócrito. E como era pequena demonstração da sua dor, não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria. Desta sorte a tristeza, se moderada, faz chorar, se excessiva, pode fazer rir. Se a excessiva alegria é causa de pranto, a excessiva tristeza não será causa de riso? Na guerra morrem muitos soldados rindo e a razão é, diz Aristóteles, porque são feridos no diafragma. Não se ria Demócrito, como contente, ria como ferido. Os olhos poderão queixar-se desta minha filosofia mas, acho eu, sem razão, pois o pranto vem da dor provocada pelo batimento nas mãos e, se se reflectir, vê-se que os olhos não são necessários à capacidade de falar. E se choram as mãos por que não há-de a boca chorar? Heraclito chorava com os olhos; Demócrito chorava com a boca; o pranto dos olhos é mais fino; o da boca mais mordaz. Demócrito ria porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heraclito chorava porque todas lhe pareciam misérias; logo, tinha mais razão Heraclito para chorar do que Demócrito para rir, porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias e não há ignorância que não seja miséria. E como nem todas as misérias são ignorâncias e todas as ignorâncias são misérias, razão tinha Heraclito de chorar que Demócrito de rir, antes digo, que só Heraclito tinha toda a razão e Demócrito nenhuma.
Ariano. O exagerado que gosta de se jogar aos seus pés sem pedir permissão. Entusiasmado. O menino que vive cada dia como se uma enorme contagem regressiva estivesse a badalar os quatro cantos do mundo. Romântico. Prático. Objetivo. Pensativo. Irriquieto. O jornalista que vê poesia em tudo. Risadas. Impaciência. O eterno sonhador.
2 comentários:
Discurso integral do Padre António Vieira,
em Roma no ano de 1674,
a convite da Rainha Cristina da Suécia
Se o mundo é mais digno de riso ou de pranto, e se à vista do mesmo mundo tem mais razão quem ri, como Demócrito, ou quem chora, como chorava Heraclito, eu pretendo defender a parte do pranto.
Confesso que a primeira propriedade do riso é o risível; e digo que a maior impropriedade da razão é o riso.
O riso é o final do racional; o pranto é o uso da razão.
Quem conhece verdadeiramente o mundo, precisamente há-de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece.
Que é este mundo senão um mapa universal de misérias, de trabalhos, de perigos, de desgraças, de mortes?
E à vista deste teatro imenso, tão trágico, tão lamentável, que homem haverá (se acaso é homem) que não chore?
Se não chora, mostra que não é racional, e se ri, mostra que também as feras são capazes de rir.
Mas se Demócrito era um homem tão grande entre os homens, e um filósofo tão sábio, e se não via este mundo, mas tantos outros mundos por si inventados como poderia rir?
Poderá dizer-se que ele não ria deste mundo, mas daqueles seus mundos.
E com razão; porque a matéria de que eram compostos os seus mundos imaginados, toda era de riso.
É certo porém, que ele ria neste mundo e que se ria deste mundo. Como pois se ria ou podia rir-se Demócrito do mesmo mundo e das mesmas coisas que via e chorava Heraclito?
A mim, senhores, me parece que Demócrito não ria, mas que Demócrito e Heraclito ambos choravam, cada uma seu modo.
Que Demócrito não risse, eu o provo.
Demócrito ria sempre, logo, nunca ria.
A sequência parece difícil, mas é evidente.
O riso, como ensinam todos os filósofos, nasce da novidade e da admiração; e cessando a novidade e a admiração, cessa também o riso.
Por isso, quando vemos uma figura ridícula, ou então ouvimos algum dito engraçado e faceiro, rimos de princípio, mas uma vez dada razão àquela primeira surpresa, uma vez que cesse a novidade, cessa ao mesmo tempo o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo e o que quando sai de casa rindo, sendo sem controvérsia, já que o que é comum e vulgar não pode causar nenhuma admiração nem novidade, depreende-se, como consequência, que, se ria sempre, nunca ria, e aquilo que parecia, de facto não era riso.
Há chorar de lágrimas, chorar sem lágrimas e ainda chorar com riso.
Chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suprema e excessiva.
A dor moderada solta as lágrimas, a grande dor as enxuga e as seca.
Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava Demócrito.
E como era pequena demonstração da sua dor, não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.
Desta sorte a tristeza, se moderada, faz chorar, se excessiva, pode fazer rir.
Se a excessiva alegria é causa de pranto, a excessiva tristeza não será causa de riso?
Na guerra morrem muitos soldados rindo e a razão é, diz Aristóteles, porque são feridos no diafragma.
Não se ria Demócrito, como contente, ria como ferido.
Os olhos poderão queixar-se desta minha filosofia mas, acho eu, sem razão, pois o pranto vem da dor provocada pelo batimento nas mãos e, se se reflectir, vê-se que os olhos não são necessários à capacidade de falar.
E se choram as mãos por que não há-de a boca chorar?
Heraclito chorava com os olhos; Demócrito chorava com a boca; o pranto dos olhos é mais fino; o da boca mais mordaz.
Demócrito ria porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heraclito chorava porque todas lhe pareciam misérias; logo, tinha mais razão Heraclito para chorar do que Demócrito para rir, porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias e não há ignorância que não seja miséria.
E como nem todas as misérias são ignorâncias e todas as ignorâncias são misérias, razão tinha Heraclito de chorar que Demócrito de rir, antes digo, que só Heraclito tinha toda a razão e Demócrito nenhuma.
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