quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Na fila sem Madonna

Capítulo 5



Estávamos agitados. Sabíamos que logo o sono viria, que a noite seria bastante cansativa e que a sensação térmica de virar uma madrugada na rua seria cruel. No entanto, a certeza de estar a poucos dias de segurar o esperado ingresso de Madonna afastava qualquer medo e anseio.

Depois de um dia inteiro nos programando para a noite, a fome bateu. Bobby, o homem simpático que havia ido ao supermercado, voltara com uma caixa enorme do Habbib’s com esfiha, kibe e pastel de Belém quentinhos para saciarmos nossos estômagos. Fingimos que estávamos sentados num parque bem florido (percebemos que teríamos que usar bastante a criatividade para ficarmos acampados na fila), abrimos uma roda na calçada, sentamos no chão sem nos incomodarmos com a falta de conforto e começamos a matar a fome. Antes, propus um brinde: “Às novas amizades que começam aqui e, lógico, à Madonna!”. Tintin!

Mastigadas daqui, risadas dali, e fomos nos conhecendo melhor como em um verdadeiro jantar entre amigos. Não sei se pelo clima de aventura ou pela comida quentinha, eu estava me sentindo muito bem, muitíssimo empolgado com o que estava vivendo. Tudo era tão calmo na rua que até tinha me acalmado.

Porém, foi só o cheiro da comida se espalhar, que teríamos nossos primeiros visitantes. Olhei para trás e vi um cachorro vira-lata vindo em nossa direção. Ele tinha uma roupinha azul, carinha de fome e olhar de “gatinho do Shrek”. Até aí, normal. Fui pegar outra esfiha na caixa e quando me virei a cena era inusitada. Além do cachorro, mais outros quatro cachorros estavam andando lado-a-lado com ele, na mesma velocidade, meio em câmera lenta, cada um com uma roupinha diferente: uma verde, uma amarela, uma vermelha, uma laranja, além da azul que eu já tinha visto. Parecia uma verdadeira boy-band-canina, com cinco cachorros andando juntinhos no mesmo passo. Não tinha como não rir da cena.

Pensei “Todo vira-lata sempre acompanha um mendigo”. Não deu outra! Em seguida, um mendigo apareceu para puxar papo com a gente. Confesso, dificilmente eu gosto de encarar mendigos, tenho um certo receio. Mas desta vez tudo seria diferente. Resolvi encará-lo e…Meu Deus!!! Juro por tudo o que é mais sagrado: era o mendigo mais lindo que eu já vi em toda a minha vida! Loirinho, olhos claros, barbinha por fazer, um rosto quadrado incrível. Não podia ser mendigo, não é possível. Lógico, suas roupas esgarçadas e sujas demonstravam que ele vivia na rua. Mesmo assim não consegui não pensar “ahh, depois de um belo banho (de água quente e de loja) ele super estaria no ponto!”. Fiquei alimentando meu fetiche (?!) enquanto ele puxava assunto.

“Mano, vocês são chique hein, com barraca e tudo na rua” ele disse. “Será que ele acha que somos, sei lá, uma espécie de mendigos modernos providos de teto?”, pensei. Então explicamos que estávamos lá por causa de um show, para comprar ingressos e tal. “É, os seguranças do Credicard são uns chatos, eles bem que podiam deixar vocês dormirem lá dentro (ele ainda era fofo!!!), mas não adianta, eles são cuzões. Uma vez eu pulei o muro porque queria fugir do frio (ohhhh que dóoo!) mas eles me expulsaram de lá dentro”.

Ficamos conversando durante um tempo, oferecemos esfiha para o mendigo bonito e ele recusou pois uma senhora havia dado comida para ele a pouco tempo. Um verdadeiro gentleman. Alguns minutos depois do encontro ele se despediu. “Boa sorte para vocês aí, qualquer coisa to por aqui”, ele disse quando ia embora. Cheguei à conclusão, depois disso, que ainda havia muita coisa interessante nas ruas de São Paulo que eu ainda precisava conhecer.


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