domingo, 5 de outubro de 2008

Na fila sem Madonna



Capítulo 4

“Eu acho importante organizarmos uma espécie de lista de chegada das pessoas, para ver quem vai acampar aqui, quem vai revezar…”
“Sim, isso é essencial para não ter confusão depois”
“Seria interessante se nós anotássemos o nome de todos que vão fazer o revezamento, dividir por barracas, assim fica mais fácil”
“Ótimo, eu trouxe um bloco de notas, podemos fazer a lista nele!”

E aos poucos, com a colaboração de todos, fui construindo as regras de como seria o acampamento:

1 – Cada pessoa, assim que entrar no acampamento, precisar dar o nome de todos que farão revezamento junto com ela.
2 – Todas as pessoas deverão passar pelo acampamento em algum momento até a venda dos ingressos.
3 – O grupo sempre tem que ter no mínimo um representante na fila. Caso seja verificado que não há ninguém do grupo, o grupo é cortado da lista e vai para o fim da fila.
4 – A partir do momento em que uma nova pessoa resolve se juntar ao acampamento, os grupos em sua frente não podem inserir mais nenhum componente na lista, para evitar injustiças de pessoas entrarem na fila só na hora de comprar os ingressos.
5 – Eu ficaria responsável por passar as regras do acampamento para cada nova pessoa que chegasse, assim como iria cuidar da lista de chegada.


Aos poucos, a lista do acampamento foi sendo formada

No entanto, após a formulação das regras, a primeira dúvida surgiu: “Aonde acamparíamos? Ficaríamos dentro do estacionamento do Credicard Hall? Acamparíamos na Marginal Pinheiros? Acharíamos um local mais apropriado?”. A conclusão de todos do grupo foi a de que o ideal seria acamparmos dentro do próprio estacionamento do Credicard Hall, por uma questão de segurança e frio (que nesse momento, por volta das 18h, já se mostrava bem forte).

Fomos conversar com o chefe da segurança sobre a nossa hipótese e ele foi enfático. “A partir das 20h o estacionamento fecha e eu não posso deixar nenhuma barata ficar aqui dentro! Vocês terão que sair!”. Tentamos articular com ele, com outros seguranças, até mesmo com o bombeiro responsável pelo local. Nada! Teríamos que sair. “Poderíamos te dar uma graninha se você nos deixasse ficar aqui. Você não contaria para ninguém, nós também não contaríamos e todos ficariam felizes”. Nem nossa tentativa de suborno funcionou. O segurança havia sido contratado exclusivamente para tomar conta durante 2 meses do local onde aconteceriam as vendas dos shows. Ele não arriscaria seu salário por meia dúzia de pessoas loucas que desejavam acampar no estacionamento.

A hipótese de ficarmos na Marginal havia sido descartada, pois era muito perigosa para se passar uma noite. Resolvemos dar uma volta em todo o quarteirão do Credicard Hall para encontrarmos um lugar mais apropriado. Depois de muito se discutir, percebemos que o melhor local seria ao lado do portão 3, na parte de trás da casa de shows. Lá, a calçada era mais larga, havia bares e movimento na região, além do frio ser menos intenso.

“Vocês tem certeza que podemos ficar aqui?”, perguntei para os vendedores dos bares que lá trabalhavam. “Olha, já vi diversas vezes pessoas acamparem nessa calçada por causa de shows. A polícia militar e a CET nunca impediram ninguém de ficar aqui. Só é um pouco perigoso, fiquem espertos”.

Perigoso? Eu e o santista fomos conversar com um vigia da região, que trabalhava nas três ruas ao lado do Credicard Hall. Prometemos pagar uma caixinha caso ele pudesse vigiar, durante a madrugada, um pouco do nosso acampamento. O senhorzinho, com uma aparência de uns 50 e poucos anos, concordou com nossa idéia, mas não nos deu muita segurança. Percebemos que estaríamos sozinhos.

Para evitarmos que outra fila se formasse à frente do portão oficial, na Marginal Pinheiros, resolvi elaborar uma espécie de comunicado a mão, que o homem simpático passaria para o computador, e que fixaríamos no portão. O aviso dizia que éramos as primeiras pessoas da fila da Madonna e por uma questão de segurança e temperatura (e, lógico, por não podermos ficar dentro da casa de shows) resolvemos montar o acampamento na parte de trás do Credicard Hall. Também dizíamos que já havíamos falado com os seguranças da casa (o que era verdade) sobre o local do acampamento e que eles estariam aptos a pedir a qualquer pessoa que começasse a acampar no Credicard, que ela se direcionasse para nosso acampamento. Assim, evitaríamos a formação de duas filas.

Resolvemos montar apenas uma barraca. Por volta das 22 horas os bares começaram a fechar, a escola ao lado também fechou, os portões do Credicard Hall se fecharam, as luzes se apagaram. Algumas pessoas do acampamento voltariam apenas no dia seguinte. Seriam apenas 5 pessoas: eu, o santista, o menino de Lindóia, um dos primos e o homem simpático. “Peço que ninguém, nessa primeira noite, durma um só momento. Não conhecemos a região, será uma noite perigosa, estamos em poucas pessoas. Vocês topam?”, sugeri e todos aceitaram.

Teríamos 10 horas pela frente até a reabertura dos portões do Credicard Hall, 10 horas de uma madrugada gelada na cidade de São Paulo, 10 horas de silêncio na rua, 10 horas de um perigo iminente a cada carro que passasse na frente de nossa barraca. Teríamos que controlar nosso sono, nossa paciência e nosso frio. O homem simpático sugeriu ir ao supermercado mais próximo comprar comida e bebida para a gente. Juntei a idéia de ter sono e passar frio e não pensei duas vezes: “Me traz duas latinhas de energético, por favor!”.


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