sexta-feira, 30 de abril de 2010

Quem tem medo da solidão?

Meu grande medo é a solidão. É aquele vazio escuro que tem dentro de você, que nas noites de edredon mais pesado muitas vezes te ataca, consome sua mente, gela suas mãos, condensa seu olhar, te deixa lá, pensando, relembrando, nostalgiando, só, sempre só. Tenho medo de ficar sozinho, de me sentir coadjuvante da vida, coadjuvante das pessoas, me sentir numa eterna figuração, nunca subindo de papel, nunca mudando de cena, nunca entrando num roteiro maior. Tenho medo de me sentir inútil, de estar e não estar significar a mesma coisa, de ser irrelevante. Quem não tem medo da irrelevância da solidão? Do gosto amargo do estou só? Do anti-emocional despertar e adormecer sempre igual, sem a mensagem de boa noite, sem a a mão e o beijo na testa? E não é carência. Carência é só uma armadura pra solidão. E quanto soldados armados temos por ai. Eu mesmo, eu sei, faço parte deste exército.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O Despertar da Primavera


Canção de um Verão

[Ilse]
No coração da criança cresceu
Uma canção em tom maior
Que todos hão de ouvir também
E vão saber de cor

Que a dor se foi e a treva passou
Foram partes de um mundo infeliz
Como peças que um velho teatro encenou
E agora o tempo nos diz

Que vai brilhar
Um novo sol
E um verão vermelho
Vai tomar nosso quintal

[Todos]
A nova luz já vai chegar
E os olhos das crianças
Vão se abrir e acreditar
E vão viver por nós
E vão soltar os nós
E vão cantar
Em todas as manhãs, vão rezar
Por um eterno e novo
Verão vermelho

O que era dor
Ficou lá atrás
Na nossa primavera
Que já não volta mais
Janelas vão se escancarar
E vai entrar a chuva
E as crianças vão dançar

E vão viver por nós
E vão soltar os nós
E vão cantar
Em todas as manhãs, vão rezar
Por um eterno e novo
Vão pedir por um verão vermelho
Um eterno e novo
Vão pedir por um verão vermelho
Um eterno e novo verão vermelho

*Paulistanos, não deixem de assistir ao musical O Desperta da Primavera, que está em cartaz (últimas apresentações) no Teatro Sérgio Cardoso, na Rua Rui Barbosa, 153. É de se emocionar!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ostra Feliz Não Faz Pérola

Ostras são moluscos, animais sem esqueletos, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas - são animais mansos -, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: "Ela não sai da sua depressão..." Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava o seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho - por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia passou por ali um pescador com seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-a para sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Eleo tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para a sua esposa.

Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontoru foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven - como é possível que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa... (ALVES, p. 12)

ALVES, Rubem. Ostra feliz nao faz pérola. In: ALVES, Rubem. Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.

domingo, 18 de abril de 2010

23 primaveras

2 para 25. E ae 5 para 30. E o tempo passa, eu amadureço, minha felicidade também. Porque tenho família que me ama e cuida de mim. Porque tenho amigos que me amam e cuidam de mim. Porque tenho amor, de dentro para fora e de fora para dentro. Por isso, 23 primaveras de muitas flores, e que venham mais arranjos, mais jardins, abelhas, polenização, cores, aromas, vento balançando, e até formigas, que me mordam, mas me guiem, me organizem. E ai cresce. E é nova primavera. Feliz vigésimo terceiro ano de vida para mim, o jornalista ariano das primaveras (que odeia escrever em terceira pessoa, mas hoje é dia dele, então ele está mimado e brega).

quarta-feira, 31 de março de 2010

Realidade dourada

Sou fã de BBB e já disse isso muitas vezes. O programa é muito interessante visto por diversos ângulos, seja por puro entretenimento, seja por análise de nossa sociedade. A final do programa, realizada na noite de ontem, provou o porquê eu tenho um pouco de nojo de viver em nossa tão "moderna sociedade".

Para mim este BBB foi uma prova do quanto nossa sociedade é sim preconceituosa, ignorante e homofóbica. Afirmo isso com base em alguns (vários) comentários que eu li em vídeos do BBB no Youtube. No vídeo da eliminação do Dicesar, participante gay assumido, por exemplo, dois comentários me chamaram a atenção: "ainda bem que o dourado tirou essas "bichinhas"...agora sim o programa ficou decente" e "não sei como a globo foi colocar seres humanos ao lado de gays num mesmo programa".

Esse é o pensamento do público que elegeu Dourado, um público que até pode aceitar gays, contanto que eles fiquem escondidos, discretos, sem jeitos e trejeitos. O gay não pode ser feminino, mas o homem heterossexual pode ser machista, cuspir no chão e coçar o saco? Muita hipocrisia não acham?

Mas não adianta xingar a Globo, sugerir manipulação de votos e tentar mil justificativas. Não. A única explicação é: nossa sociedade é assim. Dourado sentiu nojo e perdeu a fome quando os participantes falavam de relações gays, mas Dourado não foi homofóbico. O mesmo serve para aquele seu tio que faz piada sobre negros, mas ele não é racista. Ou quem sabe para você que respeita o cara que mora na favela, mas que ele não namore sua filha. O preconceito é velado, mascarado, deturpado, mas ele está lá, continua sendo explícito.

E, o pior, mesmo explícito, ele sempre é justificável. "Mas o gay não precisa ser feminino né, ele é homem, não mulher...", ou como diria Dourado, "seje gay mas seje homem". Essa talvez seja a frase que explique porque Dourado ganhou: ele recebeu votos de pessoas que acreditam que é preciso que "seje gay mas seje homem", assim, sem correções gramaticais e excesso de "moralismo".

sexta-feira, 19 de março de 2010

Últimas palavras de Babi

Por João Roberto Basile, meu pai

Olá, você chegou, quem mais chegou? Estão todos aqui, que bom, tenho com quem brincar, não tenho cachorros vizinhos amigos nem filhos gerados pra cuidar, então, preciso brincar com alguém, vamos brincar?

Não precisa comida pra mim, basta você me olhar e me fazer um carinho, olha aí, tenho bolinhas pra brincar, vamos brincar?

Não preciso de nada mais do que isso, basta você me dar atenção, todo dia eu te espero chegar em casa, não me canso, é só você colocar a chave no portão que eu já sei que é você, eu vou latir sim, vou fazer festa prá você, é assim que eu declaro meu amor por vocês, não faz mal que eu não tenha como fazer entender, abano meu rabo, é assim que sou....

Ontem ganhei uma massagem com coceira do pai, e uns pedacinhos de queijo, que bom, adoro queijo, espero que não faça mal, mas não estava bem, fui dormir cedo e cansada outra vez, meu pai me aconchegou na minha caminha como sempre, e eu dormi.........

Acordei mal, não conseguia respirar direito, minha mãe me levou pro médico, no caminho imaginei que não iria tomar banho, no caminho senti que algo não estava certo, fui colocada na mesa da médica, Tia Ana, ali eu percebi que algo estava errado, minha família se reuniu do meu lado com lágrimas nos olhos, todos que eu amo, e ao passar da hora senti um frio extremo tomar meu corpo, e um grande aperto em meu coração, como animal que sou não tenho forma de expressão humana, bastou apenas entender que havia chegado minha hora de descanso, que pena, pensei que viveria mais do que isso, mas o Senhor não quis assim, não tenho do que reclamar, foram 11 anos de muito amor com todos meus queridos donos....

Quem sabe na próxima vez eu consiga voltar de verdade na forma de uma criança, e ser amada e tratada dessa mesma forma que fui sendo uma cachorra.................

+ 19 de março de 2010

Últimas palavras de Babi

Por João Roberto Basile, meu pai.

Um último latido



Lembro-me de cada sensação, de cada detalhe...

Era uma terça-feira, feriado de 7 de setembro de 1999, Independência do Brasil. Eu e minha família voltávamos de viagem do interior, após dias muito gostosos de descanso. O carro foi estacionado na garagem, as malas foram sendo retiradas e, ao olhar para o outro lado da rua, eu
a vi. Lá vinha ela, pequena, branquinha, de orelhas champagne, com o tamanho de uma palma, frágil, alegre. Lá vinha ela ao lado de meu vizinho, uma pequena poodle filhote, uma criancinha pedindo colo e carinho.

Meu vizinho "tem 2 meses e pouco essa filhote, deu cria a cachorra lá do sítio...". E ela me olhou e veio na minha direção, como uma cachorrinha de pelúcia. Pulou no meu pé. Eu abaixei. Ela foi para meu colo. Olhei para minha mãe e ela me respondeu com o olhar "sem chances!". Minha mãe sempre teve muito medo de cachorros e eu sabia que jamais teria um em casa.

Mas tentei de novo "mãeeee...só essa noite...". "Sem chances". "Marisa, deixa ela dormir ai na sua casa essa noite só, sem compromisso, deixa o Paulinho brincar com ela essa noite". "Sem chances...tá bom, só essa noite". Embora ninguém afirmasse, todos já sabiam que aquele pequeno floco de neve jamais sairia daquela casa, casa que seria seu lar pelos próximos 10 anos e meio a partir dali.

Foram momentos únicos, de pega-a-bolinha, de corre-atrás-das-borboletas, de brincar-de-morder, de fingir-uivar-que-nem-lobos, de me-pegar-na-escola, de brincar-de-pega-pega, de tantos e tantos e tantos momentos deliciosos. Ela foi muito feliz e nos fez muito feliz.

Hoje ela foi brincar com os outros animais lá no céu e nós, aqui embaixo, sabemos o quanto amamos essa pequena gordinha, o quanto ela foi importante para nossa família, o quanto jamais a esqueceremos. Babi, você tem a eternidade agora para latir alegremente. Fique com Deus!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Poças empostas

Acordei com vontade de pisar em poças de chuva. Mas não quero as poças rasas, de certo modo límpidas, com esta ou aquela sujeira. Não. Quero poças marrom-escuro, poças profundas, poças extensas e sujas. Quero pisar naquela poça de barro, de lama, de sentir a terra se esgueirando entre meus dedos do pé, da sujeira se permitindo entrar na unha, da pele escorregadia, do cheiro de interior. Quantas vezes nos permitimos pisar em poças? Quando foi a última vez que você pisou em uma poça e deu uma bela gargalhada, e não um "[xingamento] e como vou chegar no meu trabalho assim? que [xingamento]"? Na infância? Talvez hoje eu tenha acordado na infância, acordado uma criança que quer pisar em poças sem medo, sem receio, sem drama, sem e com tudo. E você, pisa na poça comigo?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ressurge das cinzas de quarta

"Todo Carnaval tem seu fim,
todo Carnavasl tem seu fim,
e é o fim, e é o fim..."

É o fim?
Não!

"Deixa eu brincar de ser feliz
deixa eu pintar o meu nariz"

Amor de Carnaval dura até o final (do próprio Carnaval?)?

"Toda trilha é andada com fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste em nascer
Mas o dia insiste em nascer pra ver deitar o novo"

Nasceu...nascendo...