domingo, 30 de novembro de 2008

Na fila sem Madonna





Último capítulo

De um lado, os fãs de Madonna desesperados para que os cambistas não passassem a suas frentes. Do outro, os cambistas que fariam o que fosse necessário para conseguirem entrar primeiro que todos. Na rua, duas viaturas da polícia militar apreciando a confusão sem mover um só dedo. Indo de um lado para o outro, a imprensa, querendo cada simples detalhe para transformar o show de impunidade em audiência. Sentado, chorando, tive que dar entrevistas para a Reuters e para o SPTV da Globo. Só pensava “espero que todos consigam comprar seus ingressos e que ninguém se machuque”.



Não poderíamos fazer mais nada. Não haveria organização, não entraríamos tranquilamente, não usariam nossas senhas. O jeito foi grudar com todas as forças no portão. Tive tempo ainda de encontrar a assessora de imprensa da Time 4 Fun, chorando, descabelado, e pedir para que tudo ficasse bem. Ela, como não poderia não dizer, falou “tudo vai ficar bem”. Mas não ficou. Às 10 horas, os portões se abriram. Primeiro, os gestantes e idosos (impressionante como tantas velhinhas gostavam de Madonnas e como até mesmo um atestado de gravidez surgiu no meio da confusão). Depois, ao menos, conseguir ser o primeiro, e meu melhor amigo o segundo. Nos direcionamos às bilheterias e começou o incasável zigue-zague pelos cavaletes de ferro até chegar nas cabines. Eram por voltas de 50 fileiras que tivemos que percorrer.

Quando estávamos quase chegando, olhamos para trás e aí o cáos se instaurou. Os seguranças não conseguirem mater o portão semi-aberto e a multidão começou a invadir o estacionamento. As pessoas começaram a correr, a pular os cavaletes, a derrubá-los no chão. Pessoas cairam, foram pisoteadas. Guardas gritavam “não corram, não corram, vamos chamar a tropa de choque!”. Tropa de choque? Parecia piada ver meia dúzia de mulheres gritando para não correr, com suas camisetas “Em que posso ajudá-lo?”.

Cheguei a bilheteria e minhas mãos tremiam. Mal consegui escrever meu cpf numa folha q foi me dada e a solicitação de dois ingressos, meia-entrada, para os dias 18 e 20. Logo ao lado da bilheteria, havia uma grande placa informando que vários setores já estavam esgotados. Ou seja, a Time 4 Fun havia mentido ao dizer que as vendas de internet e fone não influenciariam nas vendas de bilheteria. Mais uma vez, os fãs haviam sido enganados.

Quando me direcionei a primeira bilheteria, eu tremia de emoção e de medo. Emoção por compras ingressos, medo porque dezenas de pessoas estavam me xingando, me insultando, dizendo que eu não tinha organizado nada, que só pensava em mim. Meu amigo virou para a multidão e disse “ele por acaso ganhou alguma coisa para fazer o que ele fez por vocês?”. É, era isso que eu queria falar, mas não conseguia. E então fui ameaçado de morte. “Lá fora, você é nosso, então é melhor você se esconder”, “se prepare quando for embora”, “toma cuidado lá fora”, foram algumas das frases que eu ouvi.

- Duas meias entradas, dia 18 e 20!
- Meia entrada acabou!
- Como acabou?!?!?! Vocês acabaram de abrir! Não pode acabar.
- Não sei explicar, acabou…


Entrei em pânico. Havia me programado com meus 600 reais para comprar para dois shows, e sem meia entrada eu só poderia ir em um. Muito triste e querendo sair logo dali, foi o que tive que fazer. Peguei o ingresso e sai correndo para o estacionamento e fiquei esperando meu amigo sair. Quando, encontrei com ele, ouvi a pior coisa que poderia ouvir no momento.

- Comprei minhas duas meias entradas, ebaaaaaa!

Cinco minutos depois de eu ter comprado meu ingresso, misteriosamente as meias entradas foram liberadas. Meu mundo acabou e nunca me sentitão mal em toda a vida. Eu chorava, desesperado, soluçava, não conseguia sequer falar. Por que aquilo estava acontecendo comigo? Depois de tudo o que passei, por que meu Deus? CInco dias na fila para ter um erro bem na minha vez, o primeiro, e eu não conseguir meu objetivo. Eu chorava, meu peito doia, doia como nunca, meu sonho tinha sido manchado. Tentei conversar com a gerente das bilheterias e o que consegui ouvir foi “é, realmente deu um errinho na sua vez, não sei explicar, coisa de computador sabe, mas fique feliz, ao menos você irá ir em um show!”. Se não fosse pelo meu ataque de choro, talvez eu tivesse dado um soco em sua cara. A vontade era essa, mas as forças me impediam.

Fui vendo meus amigos voltarem das bilheterias todos felizes. Fui vendo os cambistas que me ameaçaram começarem a se aproximar. Fui vendo emissoras de televisão querendo me entrevistar. Fui vendo tudo girar. Fui vendo meu mundo desabafar de uma forma horrorosa. Fui vendo cambistas saindo com 10, 15 ingressos nas mãos. Fui vendo uma polícia não fazer nada. Fui vendo o perigo de ser pego no ponto de ônibus aumentar. Fui vendo algo que eu não queria ver.

Então tive que fugir. Escoltado dentro de um carro de um amigo que fiz na fila, tive que ir embora. O sonho havia acabado. Com um ingresso nas mãos, uma barraca na outra, muitas lágrimas no rosto e a sensação de ter vivido os melhores e os piores momentos na minha vida, o sonho estava acabando, os cinco dias que passei se tornariam passado, as pessoas que eu conheci não dormiriam mais ao meu lado, eu não faria mais reuniões para comunicar algo, eu não passaria mais noites em claro explicando sobre o acampamento.

Olhava pela janela do carro, em silêncio, com lágrimas pesadas nos olhos e não conseguia entender o que tinha acontecido. Não achava respostas, não achava explicações. Eu veria Madonna, mas não da forma que eu queria, em 2 shows. Mais uma vez a justiça falharia no Brasil, no lugar onde as pessoas mal intensionadas se dão muito bem, no lugar onde as pessoas que prezam pelo bem das outras são passadas paratrás. Cambistas venderiam seus ingressos futuramente por 3 mil reais e eu, cinco dias na fila, dando a cara a bater, não conseguiria nem ir aos dois shows que havia me programado, que havia guardado meu rico dinheirinho. Mas isso não ficaria assim, nada apagaria o que eu passei lá, nada mudaria a história. Nada apagaria minha saga “Na fila sem Madonna”



Ps: duas semanas depois, com muita determinação, coragem e senso de justiça, eu consegui trocar meu ingresso inteiro por duas meias entradas. A justiça pode ser falha, mas o amor de um fã é maior! Madonna, dia 18 e dia 20, tenho um encontro com você! Acampar para o show? É, quem sabe comece uma nova saga, quem sabe…


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